segunda-feira, 25 de abril de 2016
O feijão e o sonho
Como que saída do livro de Orígenes Lessa, não podia deixar de pensar no quanto seria bom se verso enchesse barriga. Por mais que não vislumbrasse uma possibilidade real de que sua expressão pudesse lhe garantir o sustento, não podia deixar de pensar: "Não enche barriga???? Pois transborda barriga!!!" . Era sempre quando não cabia em si que transbordava para a escrita. Daí a compreensão da náusea sartreana. Não poderia mesmo entupir-se desta maneira, buscando fazer do que a enchia algo que fosse se converter em alimentos. Quando precisava escrever, era (, ao menos, um pouco,) de esvaziar-se que carecia.
Em duas partes
Narrativa construída pela autora. Trindade.
Por ironia do destino, em um caminho familiar de outrora que
é agora bem distante do que agora é de ambos, viu-a através de seu carro.
Caminhava apressada, algo entre trôpega e imponente. Envolvida que estava em
seus pensamentos, a mulher tinha personalidade forte, marchava com vigor e
sequer se apercebia dos olhares que atraía ao passar. Não se preocupava com
esses olhares. Tinha outras coisas com que se preocupar e direcionava-se sempre
a elas.
"Que tipo de idiota perderia uma mulher dessas?" –
perguntou-se, quase ao mesmo tempo em que respondeu: "Eu perdi."
Narrativa biográfica do momento da autora. Campeche.
Não era a primeira vez que escrevia sobre algo que não
acontecera com ela mesma, mas era a primeira vez que escrevia em terceira
pessoa. Ou melhor, em primeira, porém outra. Primeira terceira pessoa, álter
ego, eu lírico, outro, Outro. Pensou que gostaria de escrever poemas eróticos.
Balançou a cabeça de forma reprovativa ao perceber que havia pensado em
pseudônimos. 2016 e alguém ainda se envergonha de textos eróticos! Achou
absurdo, mas concluiu que um heterônimo podia ser uma boa ideia.
segunda-feira, 18 de abril de 2016
Incompreensão
(Incompreensão é quando vc não sabe se foi agredido ou não)
A desgraça é saber que se apanha de graça,
nos meandros que a
vida traça,
e que, enquanto (a gente) disfarça,
a vida, esta grande reaça,
não deixa nunca de te
fazer de palhaça...
terça-feira, 5 de abril de 2016
Ensaio sobre a vergonha - Primeira Tentativa
A vergonha é um processo
Ou melhor, um procedimento:
Imobiliza-se o ser no momento
Impede-se qualquer acalento
Aprisiona na angústia, no momento
Faz avanços no retrocesso
Excesso de percepção de si
Ou excesso de exposição ao outro
que segue presente, mesmo que a 1 km
da distância que havia
não posso dizer que esqueci.
E como segue o tormento
no caminho adulterado pelo ônibus errado,
segue também o lamento.
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Este texto foi escrito em um ônibus para Canasvieiras, que peguei por engano enquanto voltava (nervosa e envergonhada) pra casa após a entrevista do processo seletivo para o Doutorado. Consegui ser aprovada, mas continuo detestando entrevistas! Na ocasião, o título que propus foi: "Excesso - ou Das vezes que peguei o Tican para ir ao Ticen para ir ao TiRio".
Ou melhor, um procedimento:
Imobiliza-se o ser no momento
Impede-se qualquer acalento
Aprisiona na angústia, no momento
Faz avanços no retrocesso
Excesso de percepção de si
Ou excesso de exposição ao outro
que segue presente, mesmo que a 1 km
da distância que havia
não posso dizer que esqueci.
E como segue o tormento
no caminho adulterado pelo ônibus errado,
segue também o lamento.
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Este texto foi escrito em um ônibus para Canasvieiras, que peguei por engano enquanto voltava (nervosa e envergonhada) pra casa após a entrevista do processo seletivo para o Doutorado. Consegui ser aprovada, mas continuo detestando entrevistas! Na ocasião, o título que propus foi: "Excesso - ou Das vezes que peguei o Tican para ir ao Ticen para ir ao TiRio".
Gaúchos – ou Minha Experiência com o Preconceito
Levantou-se, não sobressaltada,
mas tendo dormido bem menos que o de costume. Algo além de um desconforto (uma
sensação de ter revelado algo que surpreendia a si mesma) permanecera durante o
sono e agora decidira interrompê-lo. A mente (o espírito) queria pensar
acordada.
Dois anos haviam se passado desde
que se estabelecera em Florianópolis. Dois anos desde que começara a conviver
na cidade e, desde então, experiências se acumulavam. "Escreveu errado? Deve
ser nordestino"; "Parece que os existencialistas vão diminuindo no
Brasil à medida que aumenta o sol"; "Lá no Rio Grande" (tem
outro no país, sabia?). Para piorar circulava em ambientes acadêmicos.
Ambientes acadêmicos, como bem se sabe, são grandes concentradores de pessoas
arrogantes – aquele tipo de pessoas que jamais suportara. Entre os relatos autocentrados,
cheios de si, competitivos, que buscavam apenas retroalimentar a vaidade de quem
fala e não promover uma troca de ideias entre si, um sotaque que não engava:
RS, ou interior de SC (em alguns lugares do interior de SC, as pessoas se acham
mais gaúchas que os próprios gaúchos...).
Pensou em Pomerode[1]
e sua supremacia na taxa de suicídio nacional. Pensou na explicação que ouvira sobre
isso: cultura competitiva, individualista, baseada no "ter",
"consumir" e não no "ser". Sentiu uma certa dose de pena
das pessoas que acreditam realmente que o fato de alguém não possuir um carro
diz algo sobre o valor daquela pessoa.
"Apita" o celular e,
dispersa pelo desejo de atendê-lo, percebe que a mente faz novos caminhos que
distorcem o sentido original de sentar e escrever um texto: a percepção de que,
para fugir das posturas preconceituosas, tinha formado, sem querer, uma espécie
de "preconceito reativo", mas não acreditava que isto pudesse ser
algo bom. Preconceito não é algo bom, e ser injusta com um monte de outros
gaúchos não soberbos também não. E não podia se deixar envolver pelo horroroso
jogo da competitividade! É bem verdade que ainda lhe chocavam os relatos de
desconhecimento das contribuições importantíssimas de pessoas de outros estados,
desconhecimento que reforçava a crença de que sulistas sejam melhores; mas
negar e ir para o extremo de que, na verdade, são os piores, também não
empoderaria ninguém.
Não conhecia mesmo, era verdade,
muitos exemplos de feitos importantes de pessoas do Sul, não compreendendo, por
isso, a suposição mítica de que seriam pessoas melhores simplesmente por
descenderem de europeus (quem disse que são só os sulistas, e quem disse isso
quer dizer alguma coisa?). No entanto, decidira que devia conhecer, e não se
guiar pela avareza cognitiva que sempre nos leva a operar a partir do mínimo
possível de informação, fazendo julgamentos tendenciosos. Será mesmo protetivo
ficar sempre com um pé atrás, evitando se chocar novamente da próxima vez que
algum comentário arrogante e preconceituoso vier? Ou será uma postura que
atrapalha a interação, dificultando ainda mais os processos de troca que
poderiam levar a pessoa a reconhecer, envergonhar-se e refletir sobre seus
preconceitos para lidar de forma melhor com eles, como faço agora?
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Virgínia Levy é
psicóloga, carioca, de mãe baiana e pai carioca. Mora há 2 anos em Floripa, e
se surpreendeu ao perceber que estava reagindo ao preconceito com preconceito
contra os preconceituosos, o que acha péssima ideia. Conhece muita gente boa e
ruim de toda parte do planeta, e reconhece isto, mas estará secretamente
querendo te dar um soco se você estiver sendo arrogante, se vangloriando (sobre
qualquer assunto). Entre acordar e efetivamente escrever o texto que lhe
motivou a levantar da cama hj, viu um texto que falava do empoderamento
feminino por via do reconhecimento dos atributos pessoais, e pensou que o orgulho
separatista do sulista de hj pode ter sido o empoderamento do oprimido de ontem
(pela Coroa Portuguesa).
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