Primeiro
carnaval longe da família. Lembro de quando era criança e sentava com minha mãe
para trabalhar em cima do conceito da fantasia. Perguntava de que queríamos nos fantasiar e
sentava para desenhar a fantasia. O próximo passo era ir pra alguma área de
comércio popular, como a feirinha entre Pavuna (último bairro do Rio, em que
morávamos), e São João de Meriti (o município do outro lado do Rio). Então
comprávamos aquilo de que precisávamos e purpurina e estrelinhas, às vezes tb
confetes. Não sei como minha mãe não se tornou estilista.
Lembro do
primeiro carnaval em Vila Isabel, passado distante eternizado em uma fotografia
onde apareço com pernas tão magras que me dá agonia. Nada contra pernas magras,
ou gordas: o jeito que foi feita a foto faz parecer que eu estou alongada de
modo artificial (ou assim são os corpos dos adolescentes). Da briga em casa
entre Salgueiro e Mangueira, viramos tds Vila. Logo vieram os anos deprimidos,
qdo eu nem conseguia me mexer. O carnaval dava vergonha. Viver dava vergonha.
Eu era a própria vergonha ambulante, até que estamos na rua e somos chamados
pro desfile que fomos ver. Herdeiros da Vila. Desfilei muito feliz na Escola de
Samba Mirim, e foi triste quando não havia fantasias que coubessem em mim para que
eu desfilasse, bem no último ano em que poderia. (Em escolas mirins, os
componentes podem ter no máximo 16 anos, a menos que sejam da bateria – aí podem
ter até 18). Entre lembranças de lindos desfiles, guardo com carinho os
desfiles pela Unidos de Vila Isabel, a gravação do coro da comunidade, a
apuração na quadra na vitória de 2013. Na Vila não se cobrava mais dinheiro
pelas fantasias, e sim presença em ensaios que iam progredindo de 1 a 3 vezes
por semana, de outubro ao carnaval. Virávamos família.
Hoje estou
longe do Rio. Não que não exista carnaval aqui; na verdade, enquanto escrevo
olho pras roupas com as quais estou prestes a improvisar fantasias, como sempre
fiz com as amigas queridas quando o sol me permitia. (Escrevo isso e lembro do
tempo em que não tinha alergia nenhuma e era carnaval de rua de noite e praia
de dia. Como era lindo! E como faz tempo! Sorrio pensando que o filho da
vizinha que era um garotinho pulando no mar da minha lembrança já é pai.).
O que talvez
não exista é a sensibilidade. Ou o carinho. Carnaval era amor, é amor, sempre
foi amor. Dói quando falam mal do meu amor, quando se torna bonito difamá-lo,
ofendê-lo! Dói quando chamam se festa de hipocrisia, de festa de fingir que
tudo vai bem e tds as pessoas são infelizes, pq é exatamente o contrário, pra
mim. Carnaval é sair de si para resgatar a si mesmo. É lembrar que tudo isso
que nos engessa é ilusório, que nada nos imobiliza se nos dispusermos a nos
mover no sentido de fazer tudo. Em um mundo tão bruto, seco, áspero, nada
melhor que se reunir com pessoas queridas para cantar e dançar (mesmo que as
piores músicas, com os piores banheiros e as piores cervejas!), deixando de
lado aquela força estranha que nos compele à grosseria, aos maus tratos. Mais
amor, por favor! Mais gentileza desinteressada. Mais sensibilidade. Que a festa
da carne é, primordialmente, uma festa da alma.
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(Virgínia Levy
é carioca e, acostumada com os carnavais do Rio, passa, em 2016, seu primeiro
carnaval em Florianópolis-SC. Compreende que a vida sem sensibilidade, leveza e
afetividade é sem graça e milita na resistência contra a brutalização das
relações humanas.)
Excelente texto...
ResponderExcluirObrigada! Pelo menos pra desafogar e arrumar as ideias e sentimentos garanto que serviu! ;-) =-*****
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