sábado, 6 de fevereiro de 2016

Sobre Carnaval e Sensibilidade

Primeiro carnaval longe da família. Lembro de quando era criança e sentava com minha mãe para trabalhar em cima do conceito da fantasia.  Perguntava de que queríamos nos fantasiar e sentava para desenhar a fantasia. O próximo passo era ir pra alguma área de comércio popular, como a feirinha entre Pavuna (último bairro do Rio, em que morávamos), e São João de Meriti (o município do outro lado do Rio). Então comprávamos aquilo de que precisávamos e purpurina e estrelinhas, às vezes tb confetes. Não sei como minha mãe não se tornou estilista.
Lembro do primeiro carnaval em Vila Isabel, passado distante eternizado em uma fotografia onde apareço com pernas tão magras que me dá agonia. Nada contra pernas magras, ou gordas: o jeito que foi feita a foto faz parecer que eu estou alongada de modo artificial (ou assim são os corpos dos adolescentes). Da briga em casa entre Salgueiro e Mangueira, viramos tds Vila. Logo vieram os anos deprimidos, qdo eu nem conseguia me mexer. O carnaval dava vergonha. Viver dava vergonha. Eu era a própria vergonha ambulante, até que estamos na rua e somos chamados pro desfile que fomos ver. Herdeiros da Vila. Desfilei muito feliz na Escola de Samba Mirim, e foi triste quando não havia fantasias que coubessem em mim para que eu desfilasse, bem no último ano em que poderia. (Em escolas mirins, os componentes podem ter no máximo 16 anos, a menos que sejam da bateria – aí podem ter até 18). Entre lembranças de lindos desfiles, guardo com carinho os desfiles pela Unidos de Vila Isabel, a gravação do coro da comunidade, a apuração na quadra na vitória de 2013. Na Vila não se cobrava mais dinheiro pelas fantasias, e sim presença em ensaios que iam progredindo de 1 a 3 vezes por semana, de outubro ao carnaval. Virávamos família.
Hoje estou longe do Rio. Não que não exista carnaval aqui; na verdade, enquanto escrevo olho pras roupas com as quais estou prestes a improvisar fantasias, como sempre fiz com as amigas queridas quando o sol me permitia. (Escrevo isso e lembro do tempo em que não tinha alergia nenhuma e era carnaval de rua de noite e praia de dia. Como era lindo! E como faz tempo! Sorrio pensando que o filho da vizinha que era um garotinho pulando no mar da minha lembrança já é pai.).
O que talvez não exista é a sensibilidade. Ou o carinho. Carnaval era amor, é amor, sempre foi amor. Dói quando falam mal do meu amor, quando se torna bonito difamá-lo, ofendê-lo! Dói quando chamam se festa de hipocrisia, de festa de fingir que tudo vai bem e tds as pessoas são infelizes, pq é exatamente o contrário, pra mim. Carnaval é sair de si para resgatar a si mesmo. É lembrar que tudo isso que nos engessa é ilusório, que nada nos imobiliza se nos dispusermos a nos mover no sentido de fazer tudo. Em um mundo tão bruto, seco, áspero, nada melhor que se reunir com pessoas queridas para cantar e dançar (mesmo que as piores músicas, com os piores banheiros e as piores cervejas!), deixando de lado aquela força estranha que nos compele à grosseria, aos maus tratos. Mais amor, por favor! Mais gentileza desinteressada. Mais sensibilidade. Que a festa da carne é, primordialmente, uma festa da alma.
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(Virgínia Levy é carioca e, acostumada com os carnavais do Rio, passa, em 2016, seu primeiro carnaval em Florianópolis-SC. Compreende que a vida sem sensibilidade, leveza e afetividade é sem graça e milita na resistência contra a brutalização das relações humanas.)

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