quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Sobre Naná (e paciência)

Eu, às vezes, tenho muita (até demais); outras vezes, nenhuma. Mas meu celular tem, não restam dúvidas, olha lá: "Solitaire". O meu celular tem paciência!!! Me ponho a jogar e não deixo de lembrar da minha avó. Incontáveis noites jogando paciência. Madrugadas. Dias. Além do impressionante fôlego para viagens, até o fim da vida (vinha da Bahia ao Rio e vice-versa uma, duas vezes por ano, até mais de 80 anos, se não me falha a memória), a senhorinha tinha uma impressionante capacidade de se entreter sozinha. Não era conhecida por ser extremamente adocicada, ou politicamente correta; ao contrário, trazia no rosto a marca dos que não são muito afeitos a esconder suas percepções e discordâncias. Ainda assim, impaciente ou não, apaziguava-se jogando Paciência - ou assim imagino. (Será que jogava com a paciência tb?).
Lembro-me do olhar crítico e surpreendente diante do mundo: "Ana Carolina diz que é bissexual. Isso é a mesma coisa que dizer que comeu feijão ontem. Pra que é que eu vou querer ler isso?".
"Imagine o dinheiro pra trocar essas placas do Banco do Brasil pra botar 'Banco de Maria', 'Banco de João'. Não serve pra nada. Pra quê que eu vou querer 'Banco de Naná'? Vai mudar em quê pra mim?".
"Aí um monte de velhinha analfabeta e a Pastoral da Igreja resolve fazer um amigo oculto de cartão de natal! Pra quê? Por que não dar um paninho, uma coisa que todo mundo vai gostar de ganhar?".
Guardava com carinho essas pérolas/lições e não tinha percebido, até hoje, que saber se entreter sozinha é que tinha sido a maior lição deixada. Se entreter sozinha, treinar a paciência e ditar a vida pelo próprio ritmo, cismando de viajar quando achasse que tinha "precisão" (que era preciso). Eis lições que eu não tinha percebido mas que sempre estiveram ali, ao meu alcance, graças à presença controversa da minha avó...



(P.S.: Sem injustiças com minha outra avó, nem com minha madrinha/avó que era tia-avó. Apenas algo que percebi hoje, jogando paciência.)

Um comentário:

  1. E se alguém ousar chiar por causa do me ponho, bem, que fique com as palavras de Oswald:

    Pronominais

    Dê-me um cigarro
    Diz a gramática
    Do professor e do aluno
    E do mulato sabido
    Mas o bom negro e o bom branco
    Da Nação Brasileira
    Dizem todos os dias
    Deixa disso camarada
    Me dá um cigarro.
    Oswald de Andrade ANDRADE, O. Obras completas, Volumes 6-7. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

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