terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Dia roxo

Florianópolis, 19/02/2019. 

A cor do céu é o que me chama pra janela. Tons arroxeados e azulados, que contrastam com o os dias brancos e cinzas, ou azul-amarelo-rosados que tenho visto quando o sol se põe neste início de ano. As luzes vermelhas enfileiradas são lindas de dia, e percebo que gosto de tds os sons, até das buzinas. Certamente os motoristas dos carros me xingariam por isto; eu mesma talvez xingasse se estivesse num carro e não numa janela. 
Penso com tranquilidade sobre as estranhas alegrias de ser uma criatura urbana, e noto o aspecto pasteurizado de um trecho da Hercílio Luz. Parece bem mais bonito, de longe, um trecho que me dá medo. Não é só o distanciamento, percebo: alguém pintou a ciclovia e, ao que parece, reformou a calçada. Pq só naquele trecho?
É no meio do fluxo de pensamentos sobre gentrificação que minha atenção é atraída por pessoas correndo. Noto que são meninos, com uniforme esportivo. Daria uns 13 anos para os primeiros. É engraçado pensar o que os pais pensariam se pudessem observar o percurso: corredores da escola, calçada com usuários de crack (que observam calmos a invasão de seu "domicílio"), porta do puteiro, corredor da escola novamente... O que ofende mais, falar puteiro e aderir linguisticamente a termos carregados de misoginia, ou falar prostíbulo e mascarar a realidade crua?
Noto então que alguns dos rapazes não correm: andam e conversam. - "É pra correr, porra!". Escuto o grito e não identifico de onde vem; só sei que logo avisto rapazes maiores, de 16, 17 anos, efetivamente correndo.
Quando penso que vão ultrapassar os caminhantes, contudo, param de correr e adentram o Doce Veneno. Logo saem, e entram de novo, animados, em uma versão light do que imaginam que poderiam fazer naquele lugar. Hoje, porém, a satisfação sexual que terão é ter entrado naquele lugar, de onde logo saem, correndo como se jamais tivessem interrompido o treino.
Enquanto isso, o engarrafamento (que aqui se chama "fila") continua, a galera na calçada continua (comovida apenas com algo que parece uma camisa recentemente doada), a matização do céu com novas cores continua, a vida continua.
Não trago, desta vez, nenhuma lição, nenhuma grande sacação; só a realidade nua que tive o prazer de observar. Talvez não haja mesmo nada além disso na vida: discursos polifônicos a se observar. Ou talvez falte evolução para perceber na polifonia aparentemente dissonante algo além da beleza (consonâncias e coincidências a se sentir, a se notar).

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